sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O aumento do transporte público – comecemos pelas fundações não pelos acabamentos!

Uma das medidas tomadas pelo recente Governo para “recuperar” as contas públicas foi o aumento dos preços do transporte público, com maior incidência nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Todos sabemos que os operadores de transporte têm, na sua grande maioria, vindo a acumular défices, ou seja, os custos são superiores aos proveitos. Claro que esta não é uma situação desejável, nem aceitável. Mas será que subir o preço dos bilhetes é a solução?

A teoria do “utilizador-pagador” é, em teoria, incontestável. Conduz à eficiência económica e à correcta utilização dos recursos, ou seja, com vantagens ambientais à vista. Só que isto só é verdade se o princípio for aplicado “a sério”, ou seja, se forem considerados todos os custos em todas as alternativas ou modos de transporte. Vejamos um exemplo – será que quem utiliza o carro para vir das urbanizações ao longo do IC19 para Lisboa paga as estradas que utiliza, nomeadamente o IC19? Será que paga as ruas que utiliza dentro de Lisboa? Será que paga as externalidades que provoca (ex. ruído, tempo perdido, emissões atmosféricas, etc.)? A mim parece-me que não! Por isso, justificar o recente aumento do preço dos transportes públicos evocando o princípio do “utilizador-pagador” é, em minha opinião, uma visão demasiado simples da questão.

Estou convencido que a principal solução para a melhoria das condições de mobilidades nas áreas metropolitanas (e Lisboa é a que conheço melhor) passa pela transferência modal do transporte individual para o transporte colectivo. O investimento público, as opções políticas e as opções de gestão das empresas transportadoras devem ir, em minha opinião, neste sentido. Fazer as contas é difícil, se não impossível, mas acredito ser esta uma opção adequada em termos económicos e em termos ambientais. Lembro-me de algumas contas feitas no âmbito do Programa Nacional para as Alterações Climáticas que mostravam ser opções políticas com um bom rácio custo-benefício. Também é o que vejo acontecer noutras cidades europeias.

Será que a aposta no transporte colectivo, que defendo, passa por permitir que o buraco económico e financeiro de empresas como a Carris e CP se mantenha? Penso que não! É preciso “dar a volta à coisa”, é preciso uma mudança muito maior do que meramente subir o preço dos títulos de transporte!

Há imensos especialistas em transportes e imensas ideias. Em muitas das ideias até me parece que há consenso. Parece-me é que tem faltado coragem política para tomar opções, opções que muitas vezes incomodam o automobilista, que por acaso é o cidadão que vota. Mas, se estamos numa época “especial”, em que o cidadão até percebe que é preciso reformar e sofrer na pele (que remédio!), então que se tomem opções corajosas nos transportes, e refiro-me à situação que melhor conheço, as áreas metropolitanas.

Aqui ficam algumas ideias:

- É preciso quem tenha uma visão correcta do problema, a visão metropolitana. Não é possível continuar a pensar no problema à escala municipal (por ex. na questão da gestão dos estacionamentos) ou à escala empresarial (Carris, CP, Transtejo, etc.). Este papel tem de ser desempenhado pela autoridade metropolitana de transportes e que a tal Autoridade tenha, de facto, autoridade.

- É preciso perceber onde queremos chegar com transporte colectivo, quem queremos servir. Depois, planear a rede para isso, escolhendo os meios que servem cada zona. Nalgumas zonas optar-se-á pela intermodalidade, noutras pela multimodalidade. É preciso coerência que leve à eficiência.

- As empresas (sejam públicas ou privadas) devem ser geridas de modo eficiente. Devem ter assegurada uma rentabilidade adequada, justa para o serviço que desempenham. É possível efectuar estudos comparativos entre empresas, incluindo empresas noutros países que conduzam ao estabelecimento de metas de eficiência para as empresas. Se queremos que o transporte colectivo ganhe quota, podem ser estabelecidos incentivos às empresas que ganhem passageiros.

- Muito provavelmente existirão linhas ou zonas economicamente rentáveis e outras em que a operação é deficitária. É necessário “fazer as contas”, torná-las transparentes e divulgá-las, e compensar a empresa que, actuando de modo eficiente, não tem a rentabilidade adequada. Esta opção pode implicar transferência de verbas entre operadores.

- Se se concluir (e é provável que assim seja) que no conjunto da área metropolitana os proveitos não pagam os custos (onde se inclui a remuneração do capital), então alguém tem de pagar o défice. Quem deve ser? Penso que uma boa opção é penalizar o transporte individual, favorecendo assim a opção política de apostar no transporte colectivo. Alguns dos pagamentos feitos pelos automobilistas (portagens, estacionamentos, impostos sobre os combustíveis, etc.) devem ser utilizados para financiar o transporte colectivo.

Porque defendo que os automobilistas paguem parte desta factura? Este pagamento funcionará como uma compensação pelas externalidades do uso do transporte individual, designadamente as devidas às emissões de gases que degradam a qualidade do ar ou que contribuem para problemas como as alterações climáticas ou a acidificação. Por outro lado, onerar o transporte individual para evitar o aumento do custo da utilização do transporte colectivo servirá como incentivo à transferência de passageiros dos modos individuais para os colectivos.

E então o preço dos títulos de transporte? Primeiro, há que repensar se os títulos existentes são os adequados (como é possível que o Lisboa Viva não permita carregar, em simultâneo, bilhetes da CP e do Metro? Estamos no séc. XXI!). Depois de estabelecidos os títulos adequados, estão vamos a preços. Acredito que seja adequado subir os preços de alguns títulos, mas primeiro queria ver as outras contas e as opções políticas certas, corajosas! Desculpem-me os termos, mas tenho muitas dúvidas sobre o “passe para pobres”. Em teoria, tudo certo, mas desconfio que ajudará a reforçar a ideia, errada, que o transporte colectivo é para quem não tem dinheiro para andar de carro. E como se vai controlar o desconto para quem tem menos rendimentos?

Em síntese, considero que o aumento do preço dos títulos de transporte colectivo é uma medida avulsa e sem o necessário contexto. E ainda por cima desincentiva a utilização dos transportes colectivos. Há muito para fazer neste sector. Mãos à obra! Se desses trabalhos resultar que alguns dos títulos necessitam de ser aumentados, então tudo bem. Mas comecemos pelas fundações e não pelos acabamentos!

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